Artigos - História do Perdigueiro


O perdigueiro na caça com rede e lanço de Estremoz Século XVII


No século XVII (1683) Sélincourt descrevia do seguinte modo o cão de mostra existente em Espanha - «...de grande corpulência, formas robustas, cabeça pesada, longas orelhas, focinho quadrado, lábios pendentes e caídos, pescoço grosso, patas longas e fortes, de pelagem curta, branca com grandes malhas castanhas...»

Tratava-se sem dúvida de um cão que não existia em Portugal - provavelmente o cão pachon de Navarra de pêlo curto adicionado de sabueso, pesadão e lento, então com grande divulgação, que originou o perdigueiro de Burgos, presentemente o único cão de mostra espanhol.

Espinar e Juan Valles chamaram-lhe sabuesos franceses, pelo que se admite a sua interferência no pachon de Navarra.

É fácil ver neste cão um tipo muito diferente de outros cães mais ligeiros, cabeça quadrada e orelhas médias e altas, descrito por Espinar em 1644, que segundo diz, se espalhavam pelas Espanhas e que em tudo se identificam com o actual perdigueiro português.

Arkwright, conhecido investigador da raça pointer, comentando Espinar, escrevia que «...havia, portanto em “Espanha” dois tipos de cães de correr, donde, aparentemente saíram dois cães de parar - um o pesado e cilíndrico cão de Navarra. O outro descrito por Espinar como tão ligeiro que alguns pareciam voar sobre a terra...»

Recorde-se que Portugal desde 1580 estava de facto politicamente integrado em Espanha, tendo a nossa independência sido reconhecida por este país apenas em 1667.

O Padre Domingos Barroso, conhecido escritor e divulgador do perdigueiro português, faz referência em 1948 no seu livro Perdigueiro Português a uma velha pintura de um perdigueiro de antanho, dizendo estar a mesma destruida à época. Mas não...

Em Estremoz, bem guardada e intacta, chegou até nós a prova que demonstra de forma cabal a morfologia e a função do perdigueiro da época.

É um painel de azulejos dos fins do século XVII que representa um perdigueiro português marrado, envolvido por rede, numa típica cena de caça à rede com lanço. Damos a palavra ao Padre e ilustre cinófilo: «... Veio até nós também, lá do fundo das idades uma pintura, mas esta portuguesa (...) o já referido painel de Estremoz...

É muito interessante. Não há nela pitada que deva ser perdida. Não sei a época da construção do edifício (N.A. - Séc.XVII); mas no quadro, ao lado do homem das redes, há homens armados com velhos arcabuzes (...) O cão é um animal de pêlo curto, marra em pé e de nariz levantado. O seu arcaboiço semelha o dos nossos perdigueiros modernos (...) o focinho é curto, a chanfradura vincada, a fronte alta e larga, as orelhas largas e bem coladas contra a face, ao menos na sua parte dianteira. Não são compridas, nem amachucadas, nem terminadas em ponta. A pata da mão direita é perfeitamente típica: - arredondada, um intermédio entre o pé de gato e o pé de lebre...Quase o diríamos um cão moderno…»

Nós acrescentaríamos - um corpo de peito profundo, ventre pouco cheio ... e a cauda amputada…

O enquadramento histórico, a cuidada observação do cão e do conjunto da cena, bem como o suporte dos textos antigos referidos, levam-nos a concluir estarmos perante outro inquestionável testemunho da morfologia e função do nosso perdigueiro de há 300 anos.

Jorge Rodrigues