Artigos - História do Perdigueiro


O perdigueiro de Isabel de Portugal e Carlos V - Século XVI

Perdigueiro em mostra

 Isabel de Portugal caça com perdigueiro em mostra. Pormenor da corda comprida (Madrid, Séc. XVI)

No século XVI, os Regimentos das Coutadas de Lisboa e seu Termo (1568-1575) d'El-Rei D. Sebastião, trazem ao que se julga por vez primeira a lume a designação "oficial" de cão Perdigueiro - indicado como raça específica de cães de mostra para caçar perdizes e codornizes...

Tal seria o "desbaste" provocado nos coutos e interesses das classes dominantes mercê das qualidades venatórias desse cão, que a sua utilização era proibida nesses Regimentos:

«...pessoa alguma não poderá ter dentro da cidade de Lisboa nem em seu termo, perdigão ou perdiz de chamada, nem dentro da dita coutada nova, galgo, cão de coelho nem perdigueiro sob pena de quem o contrário fizer perder as ditas coisas e incorrer em pena de dois mil réis...».

E em complemento, mostrando cabalmente ser o perdigueiro o cão de mostra:

«...qualquer pessoa de qualquer qualidade que seja que caçar com cão de mostra nas minhas coutadas, ou tiver o dito cão em sua casa, seu ou alheio, nos lugares delas, ou tomar perdizes com rede e candeio (...) sendo pião será publicamente açoitado e degradado dois anos para as galés...»

Se a iconografia deste período continua a rarear, há que relevar o contributo de Lúcio do Rosário ao trazer ao conhecimento dos interessados a presença de um perdigueiro numa pintura datada de cerca de 1550 e que lhe merece a seguinte descrição:

«...No Museu do Prado em Madrid, há uma figura seiscentista que é sem dúvida de um ancestral do perdigueiro português. Por que graças ou desgraças da fortuna permaneceu ignorada até hoje, é questão que não vem ao caso. As semelhanças morfológicas e de coloração entre o perdigueiro da figura e os actuais perdigueiros são tantas...»

O quadro foi pintado por Lucas Cranach - o Velho e chama-se Caçada em honra de Carlos V no castelo de Torgau. Nele estão representados Carlos V e sua mulher Isabel de Portugal, com os respectivos séquitos. Esta infanta portuguesa e Imperatriz das Espanhas, de meia Europa e de quase meio mundo, era filha do rei português D.Manuel e de D.Maria filha dos reis católicos Fernando e Isabel de Espanha.

Foi por via desta Isabel de Portugal que Filipe II de Espanha, seu filho, legitimou as pretensões ao trono português em 1580.

Mas voltando ao quadro - numa montaria de veados e javalis estão figurados numerosos cães de várias raças. De entre eles, apenas três estão presos - dois de tipo lebreu, em trelas pequenas e o outro - um perdigueiro... No séquito da rainha portuguesa, que caça armada de bésta, preso a uma trela muito comprida bem esticada, enrolada em várias voltas pelo moço que a segura...O cão «mostra» a caça, de nariz levantado, bem ao largo. A sua cabeça é grande e de crânio quadrado, o chanfro recto e curto, o lábio quadrado; tem stop vincado, orelhas de implantação alta e triangulares, pescoço um tanto curto e ar robusto. A sua cor é amarelo camurça e o nariz preto; tem cauda grossa na base que afila para a ponta, sem pêlos.

Ao longe, umas aves...talvez perdizes?

Eis mais uma prova de peso - em pleno século XVI...

Segundo a lógica, no numeroso séquito da caçadora Isabel terão ido de Portugal os cães que lhe permitiam caçar de bésta às aves, situação em que era imprescindível um cão que mostrasse as perdizes, firmando a paragem na corda bem longa...

Seria pois este, o morfotipo do perdigueiro de mostra, do perdigueiro peninsular naqueles distantes anos - amarelo, de pés grandes e cabeça típica.

<5>Jorge Rodrigues