Artigos - História do Perdigueiro


Há muitos, muitos anos... os perdigueiros no Brasil

Felizmente as consciências despertam um pouco por todo o lado, em Portugal e também fora de portas. O interesse é cada vez maior na procura de imagens antigas do perdigueiro português que permitam provar sem sombra de dúvida a antiguidade e os pergaminhos deste velho cão de caça, sem dúvida puro e bem estabelecido como raça definida há muito mais séculos do que a maioria das recentes raças de cães de parar. E o curioso é que até para a formação destas raças mais recentes, o perdigueiro nacional deu precioso contributo.

Sabia-se já que os cães portugueses, em particular o cão de água, o perdigueiro e o podengo acompanharam as caravelas e naus lusas um pouco por todo o Mundo nos séculos XV e seguintes. Os cães de água ajudando na faina de bordo, os podengos mantendo as naus limpas de ratos e tal como os perdigueiros, caçando nas terras onde aportavam, o que era preciosa ajuda ao sustento das tripulações.

Os cães d’água portugueses deram o seu contributo para a formação do Poodle (caniche) em Inglaterra, quando muitos dos cães de água da Invencível Armada luso-espanhola destruida nas costas inglesas nadaram até terra firme e constituiram um dos focos que deram origem àquela raça.

Constitui também hipótese possivel e provável a formação do Retriever do Labrador, descendente da mistura e cruzamento dos cães de água e perdigueiros que iam a bordo de naus lusas e mais tarde de bacalhoeiros que passavam largas temporadas na terra de João Fernandes Lavrador, nome de um português cuja corruptela passou a “Labrador” (notem no Retriever a cabeça tipo perdigueiro, as três cores amarela, castanha e preta do perdigueiro, notem o subpêlo e o gosto pela água do cão d’água...)

Admite-se também ser esta a explicação para os pequenos cães rateiros da América Central, em particular do México, que têm tantas afinidades com o nosso podengo pequeno...

Mas eis que nos chega recentemente do Brasil, através do Dr. Fernando Prado Ferreira, entusiasta e proprietário de exemplar da raça em S. Paulo, mais um desses preciosos documentos que ora trazemos ao conhecimento dos interessados. Para quem um dia quiser escrever de novo a História, mas desta vez assente em factos e imagens reais…

O documento em causa é uma aguarela de Joaquim José de Miranda, (42,5 cm X 55 cm) da Colecção de Beatriz e Mário Pimenta Camargo, intitulada «Cena da Expedição (ao Brasil) do Coronel Afonso Botelho de Sampaio e Sousa - 1768-73». Ilustra a página 2 do livro «Cotidiano e Vida Privada na América Portuguesa» Ed. Companhia das Letras-Brasil.

Dispensamo-nos de grandes considerações pois as imagens dos cães e o enquadramento falam por si:

Uma cena de caça aos patos com a presença de portugueses europeus armados de espingarda, alguns autóctones armados de arco e flechas e a presença de 5 cães todos iguais, o que revela uma raça bem definida na época. Três cães têm a cauda cortada, dois têm-na inteira, três deles coleira com guizo apropriado à caça no mato. Todos têm pêlo curto, dois são amarelos unicolores, um talvez branco ou amarelo muito claro, outro aparentemente branco malhado de castanho e outro unicolor preto, cores que como se sabe existiram sempre no perdigueiro português mas cujo registo em Livros de Origens foi restringido em 1962 ao amarelo e ao castanho.

Mas o mais importante neste cães com pelo menos 230 anos é que todos têm o mesmo tipo. A cabeça, quadrada, de eixos convergentes, chanfro curto e recto, com orelhas pendentes, triangulares e altas; o corpo e membros bem musculados, as mãos arredondadas, boas angulações de posteriores com um curvilhão não muito baixo...

Que outra qualquer raça canina que exista ou tenha existido se parece a estes cães?

A resposta é óbvia - igual a estes, apenas existiu ou existe o perdigueiro português.

Parecido, com algumas diferenças, apenas o pointer. Só que este como é sabido ainda não existia quando foi feita esta ilustração. Começou a ser fabricado passados uns anos em Inglaterra a partir dos perdigueiros levados da região do Douro - Portugal, onde a colónia inglesa ligada ao comércio do vinho do Porto deles fazia uso na caça.

Este é mais um testemunho de que as imagens e os documentos existem, assim as pessoas de boa vontade queiram perder algumas horas a redescobri-las e a divulgá-las, numa meritosa e útil acção de valorização do património cultural luso.

Bem haja, Dr. Prado Ferreira.